Eduardo Lourenço deveria ter participado numa sessão do Instituto de Estudos Brasileiros da FLUC em 2016, mais propriamente no dia 18 de maio, pelas 16h. Cabia-lhe inaugurar uma iniciativa, que se deveria prolongar pelos anos seguintes, intitulada “Revisitar o Brasil”, que um texto programático descrevia assim:
A iniciativa «Revisitar o Brasil» consiste numa série de conversas, para as quais são convidadas pessoas que podem ter ou não um conhecimento direto da realidade brasileira, mas que se dedicam a áreas que, num ponto ou noutro, solicitam uma reflexão sobre o Brasil ou sobre o impacto do Brasil na arte, na cultura ou no pensamento. No fundo, estará em causa, mais do que saber o que é o Brasil, pensar o impacto do Brasil em nós, ativando um regime de crítica das suas representações e contribuindo assim para uma pedagogia da estranheza desse grande país.
As sessões terão sempre lugar na sala do IEB (lotação máxima de 30 lugares) e serão registadas em vídeo.
Na carta que lhe escrevi, apresentando a iniciativa, justificava a certa altura o convite com as seguintes palavras:
Era para esta conversa, em princípio comigo, mas também com o público, que o queria convidar. Poderíamos começar por discutir as suas ideias sobre o Brasil, ou melhor, sobre o Brasil em nós, tal como surgem sobretudo nos textos reunidos nos livros Do Brasil: fascínio e miragem e A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, indo depois por aí fora.
Como terá percebido, gostaria muito de começar estas conversas, que se tornarão uma das constantes da programação do IEB nos próximos anos, consigo, uma vez que ninguém escreveu de forma tão lúcida e desassombrada (e com conhecimento de causa) sobre a nossa relação com o Brasil.
Eduardo Lourenço respondeu por telefone, aceitando o convite com todo o gosto. Marcámos então a data e combinámos a sua viagem. Infelizmente, uns dias antes recebi outro telefonema seu informando que a data coincidia com a entrega de um prémio que iria receber e a que não podia faltar, mesmo tendo esse evento sido marcado já depois da nossa combinação. Ficámos então de remarcar o evento para outra data, mas quer a sua agenda quer a sua saúde vieram a impossibilitar a sua vinda ao IEB renovado que também fazia questão de lhe dar a ver. Não sei se por ter pensado a sequência de conversas “Revisitar o Brasil” a partir de uma abertura com Eduardo Lourenço, que me parecia obrigatória, a iniciativa morreu aí. Será retomada, logo que seja possível realizar eventos presenciais, e sinto que de uma estranha maneira a morte de Eduardo Lourenço nos obriga a fazê-lo. À data em que o convidei não saíra ainda o volume IV das Obras Completas, que compila todos os seus textos sobre o Brasil, debaixo do título, deliberadamente ambíguo, Tempo Brasileiro: Fascínio e Miragem. Um volume que coloca a sua dedicação à coisa brasileira a par da de outros grandes críticos, e exilados, portugueses, como Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro ou Agostinho da Silva, todo um segmento da cultura portuguesa contemporânea que espera ainda uma leitura de conjunto.
Para esse evento que não se chegou a realizar, Ana Sabino fez três magníficas versões do cartaz padrão do IEB, tendo sido escolhida a que abre este post. Reproduzem-se em seguida as outras duas, para fazer justiça ao trabalho da designer mas também às muitas faces de um homem que passou por nós deixando no seu rasto fascínio e miragem.